Czeslaw Milosz
Poeta polonês (1911-2004) foi um homem com uma história pessoal marcada pelas reviravoltas políticas do século XX.
Dizia ele: “Sou um poeta da realidade. Digo que a terra não é um eco, nem o homem um fantasma.”
Católico — como a maioria dos poloneses, Milosz declarou certa vez ao jornal The Washington Post que era “um grande partidário da esperança humana”.
Senhoras e senhores, um pouco da poesia modernista de Czeslaw Milosz.
NÃO MAIS
Preciso contar um dia como mudei
Minha opinião sobre a poesia e por que
Me considero hoje um dos muitos
Mercadores e artesãos do Império do Japão
Compondo versos sobre a floração da cerejeira,
Sobre crisântemos e a lua cheia.
Se eu pudesse descrever as cortesãs
De Veneza, como incitam com uma vareta o
pavão no pátio
E desfolhar do tecido sedoso, da cinta nacarina
Os seios pesados, a marca
Avermelhada no ventre onde o vestido se
abotoa,
Ao menos assim como as viu o dono das
galeotas
Arribadas àquela manhã carregando ouro;
E se ao mesmo tempo pudesse encerrar seus
pobres ossos
No cemitério, onde o mar oleoso lambe
o portão,
Em palavras mais duráveis que o derradeiro
pente
Que entre carcomas sob a lápide, só, espera
pela luz
Não duvidaria. Da resistência da matéria
O que se retém? Nada, quando muito o belo.
Então devem nos bastar as flores da cerejeira
E os crisântemos e a lua cheia.
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