terça-feira, 23 de junho de 2015
ANINHA E SUAS PEDRAS
(Cora Coralina)
Não te deixes destruir…
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces.
Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.
AMOR FEINHO
(Adelia Prado)
Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero um amor feinho.
(Adelia Prado)
Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero um amor feinho.
terça-feira, 16 de junho de 2015
DÁDIVA
Czeslaw Milosz
Um dia tão feliz.
A névoa baixou cedo, eu trabalhava no jardim.
Os colibris se demoravam sobre a flor de madressilva.
Não havia coisa na terra que eu quisesse possuir.
Não conhecia ninguém que valesse a pena invejar.
O que aconteceu de mau, esqueci.
Não tinha vergonha ao pensar que fui quem sou.
Não sentia no corpo nenhuma dor.
Me endireitando, vi o mar azul e velas.
Czeslaw Milosz
Um dia tão feliz.
A névoa baixou cedo, eu trabalhava no jardim.
Os colibris se demoravam sobre a flor de madressilva.
Não havia coisa na terra que eu quisesse possuir.
Não conhecia ninguém que valesse a pena invejar.
O que aconteceu de mau, esqueci.
Não tinha vergonha ao pensar que fui quem sou.
Não sentia no corpo nenhuma dor.
Me endireitando, vi o mar azul e velas.
Czeslaw Milosz
Poeta polonês (1911-2004) foi um homem com uma história pessoal marcada pelas reviravoltas políticas do século XX.
Dizia ele: “Sou um poeta da realidade. Digo que a terra não é um eco, nem o homem um fantasma.”
Católico — como a maioria dos poloneses, Milosz declarou certa vez ao jornal The Washington Post que era “um grande partidário da esperança humana”.
Senhoras e senhores, um pouco da poesia modernista de Czeslaw Milosz.
NÃO MAIS
Preciso contar um dia como mudei
Minha opinião sobre a poesia e por que
Me considero hoje um dos muitos
Mercadores e artesãos do Império do Japão
Compondo versos sobre a floração da cerejeira,
Sobre crisântemos e a lua cheia.
Se eu pudesse descrever as cortesãs
De Veneza, como incitam com uma vareta o
pavão no pátio
E desfolhar do tecido sedoso, da cinta nacarina
Os seios pesados, a marca
Avermelhada no ventre onde o vestido se
abotoa,
Ao menos assim como as viu o dono das
galeotas
Arribadas àquela manhã carregando ouro;
E se ao mesmo tempo pudesse encerrar seus
pobres ossos
No cemitério, onde o mar oleoso lambe
o portão,
Em palavras mais duráveis que o derradeiro
pente
Que entre carcomas sob a lápide, só, espera
pela luz
Não duvidaria. Da resistência da matéria
O que se retém? Nada, quando muito o belo.
Então devem nos bastar as flores da cerejeira
E os crisântemos e a lua cheia.
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